25 de maio de 2014

Espada de São Jorge - Iracema Barbosa

Pessoal, venho aqui publicar um texto de uma amiga minha, que escreve maravilhosamente bem, mas não divulga muito seus textos. Eu enchi o saco dela para fazer um blog, um site, publicar em algum lugar, mas ela não é muito ligada em tecnologia. Ela me autorizou a publicar em meu blog os seus textos. Então, fiquem atentos à este nome: Iracema Barbosa

Espada de São Jorge - Iracema Barbosa

Cheguei naquele momento da noite em que os pés doem, a boca seca e a mente voa. Longe. Todo mundo está indo embora. Meio bêbados, meio cansados, meio decepcionados. Eu estou sentada no banco de madeira. Iluminada pela luz exageradamente amarela que penetra as samambaias. Sinto cheiro de grama úmida. Deve ter chovido em algum momento da noite. Ah, que paz traz o jardim com design rústico na parte exterior de uma balada caótica. As pontas de cigarro no chão fazem parte da paisagem. Um cara senta na minha frente. Madeira molhada. Fecha os olhos ao sentir a luz exageradamente amarela que penetra as samambaias. Vassouras, rodos e panos de chão começam a surgir. Funcionários cansados se organizam para acabar com a fila do caixa.
Será que bituca de cigarro realmente faz bem para as plantas? Ou essa é só uma desculpa elaborada por fumantes compulsivos?
Com o cotovelo encostado na perna, desleixado. Ele me olha. Com um sorriso de lado faz a cara de quem bebeu demais.
Eu também bebi demais. Cadê minha comanda? Ai, meu deus! Perdi a comanda. Bolsa. Ah, está aqui! Ufa.
Ele olha indiscretamente para minhas pernas. Eu abaixo um pouco a saia. Ele vê indiscretamente minhas pernas.
Que horas são? Celular. 4h44. Ah, tem alguém pensando em mim! Como eu ainda faço essa brincadeira idiota de adolescente? Sorrio.
Ele levanta, acende um cigarro. Dá alguns passos e olha as samambaias.
Acho que eu o conheço de algum lugar. Esse rosto... Se bem que nessas baladas as pessoas são sempre as mesmas. Ano após ano as pessoas são as mesmas. As samambaias não, elas mudaram. Antes tinha uma espada de São Jorge ali. Acho que os cigarros mataram a espada de São Jorge.
Ele volta para o banco e coloca a bituca dentro de uma latinha de cerveja jogada no chão. Me olha, passa as mãos nos joelhos. Constrangido. Olha indiscretamente em meus olhos. Levanta. Decidido. Se aproxima devagar. Decidido.
Fico estática. Será que eu conheço mesmo? Ele é bonito. Nem tanto... Ah, é charmoso. Eu devo conhecer.
Decidido aproxima seu rosto do meu, seu corpo do meu, sua boca da minha. Permaneço sentada, estática. Passa a mão por minhas coxas. Suave. Entre as minhas pernas encontra espaço. Decidido. O indicador afasta a calcinha. Olha indiscretamente em meus olhos. Penetra dedos, mão, possui. Não. Luz exageradamente amarela penetra minhas pálpebras. Contração. Madeira úmida. Olhos fechados, olhos apertados, fechado, fechado. Não, sim. Prazer. Prazer. Sim, sim. Luz, samambaia, cigarro, gozo.
Olha indiscriminadamente em meus olhos. Tira as mãos, afasta o corpo. Decidido se afasta. Se afasta, desvia o olhar e sai pela porta de vidro. É tarde. Tenho que pagar a conta. Cadê minha comanda?


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